Festa Junina: a dança diante do fogo

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“…Nas trincheiras da alegria
O que explodia era o amor
E ardia aquela fogueira
Que me esquenta a vida inteira
Eterna noite sempre a primeira
Festa do interior!”
Festa do Interior – Moraes Moreira e Abel Silva

É inegável a alegria do brasileiro!!! Povo festeiro que encontra sempre um lugar na agenda para celebrar. Chegou junho e com ele a Festa Junina, conhecida por seu caráter alegre, descontraído e tradicionalmente uma festa regada com muitas brincadeiras, comidas, danças, músicas e vários símbolos que a tornam mais envolvente. Dentre os quais, destaca-se a fogueira – utilizada na antiguidade como forma de agradecimento pela fertilização da terra e pelas fartas colheitas, simboliza a proteção contra os maus espíritos, que atrapalham a prosperidade das plantações. A festa é realizada em volta da fogueira e, como é realizada num mês frio, serve também para aquecer e unir as pessoas ao seu redor… Ao redor do fogo!!! O fogo que representa a contradição humana entre o bem e o mau; o bem que ilumina, purifica e aquece; e o mau que destrói.
Historicamente, é uma festa que está relacionada com as comemorações pagãs do solstício de verão (hemisfério norte) e de inverno (hemisfério sul), quando as pessoas, no período da Idade Média, se reuniam para pedir aos deuses por fartura nas colheitas. Com o passar dos séculos, o evento passou a ter caráter religioso e, ao contrário do que muitos brasileiros acreditam, é comemorada em vários países, principalmente no continente europeu, sendo a presença da fogueira sua principal característica.
Além da fogueira, o fogo é presença marcante em outros símbolos da Festa Junina como, nos balões (prática proibida pelo risco de incêndios e acidentes), fogos de artifício, biribinhas e bombinhas, que ao explodirem, espantam os maus espíritos e anunciam o início das comemorações.


O mesmo fogo da contradição entre o bem e o mau; o fogo do bom gigante Prometeu que na mitologia dissipou as trevas e trouxe aos homens sofredores a luz da civilização e esperança, contrariando Zeus ao distribuir um privilégio reservado aos deuses; uma força divina, um bem precioso, símbolo da cultura, do progresso científico e da sabedoria, precursor do iluminismo que acendeu a chama do conhecimento humano. O fogo que deu a Prometeu, pelo seu grande feito, o reconhecimento de deus do fogo e dos artífices e, arrisco dizer que, dentre as obras da tragédia grega, tornou-se uma das preferidas entre aqueles que possuem a centelha do fogo transformador.
Cercado de mistérios, há muito o que falar sobre o fogo, este filho da fricção entre dois corpos, dois gravetos que o fizeram nascer para iluminar, aquecer, mas também destruir! Assim como nós, filhos de dois corpos e que carregamos as mesmas possibilidades.
Mas, nossa quentura começou bem antes, está guardada na alma a memória do primeiro fogo acendido, do primeiro alento que a proteção uterina oferece e que a humanidade conserva. A proteção quentinha, antítese da frieza do abandono, do frio na barriga e da tremedeira que o medo traz, do frio da morte, da inércia.
O fogo é isso!!! O arquétipo da sensação de bem estar, proteção, alento, invenção, iluminação, acolhimento, fator decisivo de evolução e sobrevivência… Calor que purifica, que das cinzas renasce a fênix, que faz festa em nosso “interior”.
Dancemos, pois, em volta da fogueira, a quadrilha que celebra a vida, a fertilidade, a lembrança de que nossa completude é a junção de dois corpos a quem devemos gratidão e reverência por terem acendido em nós a chama existencial da vida… Celebremos a “Festa do Interior” que nos coloca diante do fogo que arde em suas inúmeras possibilidades de produção de vida ou de destruição, que nos confronta em nossa capacidade de escolha, diante do que somos e queremos , diante do sentido que estamos dando à nossa existência… A festa continua e o fogo está aceso!!!

Dulcinéia Mendes – Psicanalista

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