O pescador das varas

por

por Eliana Viana | Psicanalista

Num certo vilarejo praiano, pelas manhãs, pescadores com suas redes arriscavam avançar pelo mar adentro. Entre eles havia um pescador que utilizava como instrumento de pesca suas 3 varas.

Não se sabe o porquê, mas este pescador tornara-se um homem calado, que caminhava cabisbaixo, e tinha como companhia as varas que ganhara de seu pai ainda em vida.

Todos os pescadores com seus barcos, de igual modo, enfrentavam as intempéries do ofício: sol escaldante, frio intenso, tempestades que durante a pesca os visitavam.

Muitos, não suportando a labuta, chegavam a abandonar a pescaria e outros nunca mais voltaram ao mar.

Aos que permaneciam neste ofício, era notória a alegria no final do dia quando, debaixo de um caramanchão, os pescadores compartilhavam suas experiências no mar, os desafios vividos, falavam de seus medos, incertezas, dificuldades e alegrias também, enfim, havia um transbordar de renovação que permeava entre os pescadores, menos para um, o pescador das 3 varas, que mesmo presente nas reuniões do início ao fim do dia, permanecia calado e com suas varas ao lado, participava apenas com a sua existência.

Certa noite, no momento de partilha da pescaria uma das crianças que lá estava tirou o sossego desse pescador, ainda lambendo os dedinhos por ter saboreado um dos peixes assados, a criança, brincando com sua pequena rede de pesca, aos pulos, procurava jogá-la pelo ar, na intenção de capturar o pescador que permanecia à parte encostado em uma das colunas de sustentação do caramanchão e, com insistência a criança falava: “venha, entra na rede”, “entra na rede”, “venha, deixa eu te pescar”, “cadê a sua rede?”…

O vigor da criança se chocara com o marasmo do pescador a tal ponto que ele começou do nada a tossir e, sem saber o que estava lhe acontecendo, a passos largos foi para casa.

Na manhã seguinte o pescador que passara a noite em claro, encontrando-se apático como de costume, foi preparar-se para mais uma pescaria, quando percebeu que suas varas não estavam no barco.

Ainda atordoado pela noite mal dormida somado o fracasso pela procura das varas, sua insatisfação era percebida pelos pescadores.

Tanto que resolvera, enfim, permanecer na areia enquanto seus parceiros de pesca seguiam em direção ao mar.

O sol já havia atingido o seu apogeu na terra e de igual modo a apatia do seu observador.

De repente o pescador olhando para o mar no horizonte, algo lhe chama a atenção: um objeto reluzente se abria, se espalhava e desaparecia no meio do mar.

Com seus pensamentos sequestrados por tal visão, lembrou-se da criança que o atormentara na noite anterior e levantou-se.

Naquele instante, pela primeira vez, o pescador se viu como na figura de um peixe sendo fisgado pelo objeto reluzente e, o movimento do vai e vem das águas, lhe trouxe enfim às lembranças de infância quando tivera suas primeiras experiências de pesca.

A dança das redes que se abriam no ar e descansavam na imensidão do mar, seus mergulhos de garoto e quando terminavam a pesca, se dependurava do lado de fora das redes e as gargalhadas, com uma das mãos devolvia ao mar alguns dos peixes.

Neste momento voltando a si, com um gesto de profunda gratidão, o pescador abre seus braços, acolhe seu passado no tempo presente e percebe que está diante de um momento só seu, a fruição da vida recomeçara no pescador. Mergulhando nas águas como uma criança, sorria sua alma.

Após várias braçadas, solícito, foi à procura de sua rede de pesca no barco que as guardava há anos. E, ao abrir a tampa do alçapão, perplexo, caiu sentado, pois justamente a visão que lhe chamara a atenção, nada mais era do que a lembrança de sua própria rede que ganhara na infância. Pegou a rede, entrou no barco e foi pescar.

Bem, o que aconteceu com as varas?

Ninguém sabe ao certo, dizem que viram a criança que lhe tirara o sossego, brincando com uma delas, já o dono das varas comenta que ele nunca mais foi o mesmo e que agora, de corpo e alma com sua rede reluzente avança pelo mar adentro, e no final do dia compartilha debaixo do caramanchão não só sua pesca abundante, mas também seus medos, incertezas, dificuldades, alegrias e sonhos…

E assim, termina o conto do pescador de varas.

Como o indivíduo é um ser desejante, simbólico, de falta e de linguagem, enquanto a vida que está sempre em expansão fluir dentro e fora deste ser, ela buscará chamar a atenção, de várias formas, por ex.: num viver satisfatório ou, em sintomas, dores, sofrimento velado etc., pois a vida está em constante movimento.

Este movimento da vida pode ser encontrado também no processo psicanalítico que promove um lugar da fala e escuta da subjetividade humana.

Lugar este que possibilita ao indivíduo se reconhecer, se aceitar, e se fortalecer interiormente e assim tornar-se capaz de fazer suas próprias escolhas baseadas nos valores em que a ética navega com a vida.

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