Ansiedade infantil

por Kelli Novaes | Psicanalista

Ansiedade infantil

O que é ansiedade?

Ansiedade é um sinal de alerta em relação a um perigo, que pode ser externo ou interno (real ou imaginário), ou proveniente de uma grande tensão que não encontra descarga (Freud).

Quando estamos diante de uma situação importante, a ansiedade nos visita e isso é muito natural, já que ela nos impele a agir.  Sem ela, ficaríamos estáticos.

Contudo, a ansiedade sentida diuturnamente por motivos fúteis, que gera pensamentos negativos, não aceitação às frustrações, fobias, pensamentos repetitivos, apreensão contínua que atrapalha as atividades rotineiras do indivíduo, pode ser patológica.

A ansiedade gera sintomas físicos, psíquicos e comportamentais como: taquicardia, sudorese, tremores, tensão muscular, aumento das secreções (urinárias e fecais), aumento da motilidade intestinal, cefaleia, insônia, sensação de perder o controle, comportamentos de evitação e expectativa excessiva sobre algum evento.

Crianças ansiosas são mais tímidas e têm menos amigos e sentem muito medo de fracassar, o que pode gerar dificuldades no âmbito escolar e social.

Freud apontou que todo ser humano sofre a primeira angústia/ansiedade no nascimento.

O bebê deixa o útero materno onde está protegido e alimentado, sem que faça esforço para isso acontecer e, ao nascer, se depara com o mundo aéreo, novo e desconhecido, onde precisa sobreviver.

Otto Rank amplia a visão de Freud, dizendo que essa ansiedade, vivida no nascimento, gera um trauma que será o protótipo de todos os demais que o indivíduo experimentará no decorrer da vida.

Os acontecimentos experimentados no início da vida, marcarão a forma como o indivíduo lidará com a ansiedade.

A ansiedade pode ser realística quando o perigo é concreto, como quando a pessoa se depara com um cachorro bravo, ou, pode ser neurótica, quando o perigo não é objetivo ou real, apenas fantasioso.

Os primeiros relatos de casos clínicos de crianças com sintomas de ansiedade datam do início do século XX. Em 1909, Freud publicou o caso do pequeno Hans, um menino de cinco anos que apresentava um quadro de neurose fóbica. O tema foi abordado com mais vigor a partir da década de 40. O aumento do número de crianças órfãs, resultado da Segunda Guerra Mundial, motivou pesquisas sobre a ansiedade infantil.

A formação dos sintomas na infância, segundo Anna Freud, não tem necessariamente o mesmo significado que na vida adulta.

Muitos quadros de ansiedade são produzidos na criança não por processos patológicos, mas pelas tensões inerentes ao próprio desenvolvimento e, que se forem bem conduzidas pelos pais, desaparecerão logo que a adaptação ao nível de desenvolvimento ocorrer, ou seu período agudo passar.

O sofrimento infantil, diferente do que ocorre com os adultos, é percebido não pela própria criança, mas pelos seus cuidadores. As crianças sofrem menos que os adultos em relação às suas psicopatologias, porém, sofrem mais que eles em relação a outras tensões a que são expostas, como frustrações, separações, decepções reais ou fantasiosas, ciúmes, rivalidades. São reações legítimas se isso não prejudicar seu desenvolvimento natural.

A criança obediente e conformada é que deve nos chamar a atenção. Aquelas que aceitam qualquer coisa sem protestar, podem camuflar uma situação de extremo sofrimento interno, denunciando que seu ego não se desenvolveu de forma adequada.

A correspondência entre patologia e sofrimento, normalidade e serenidade, como ocorre com os adultos, está de maneira invertida nas crianças, ou seja, sofrimento não quer dizer patologia necessariamente, e, agitação, exaltação, desassossego, também não é sinal de anormalidade.

A observação atenta dos cuidadores é que indica se há uma questão que precise de maior atenção. Quando o desenvolvimento adequado à idade ou a adaptação à sociedade estiverem comprometidos, é um alerta sobre a existência de uma patologia.

A ansiedade infantil surge também quando a criança busca a satisfação de suas necessidades e impulsos, mas é frustrada, e então pode surgir: medo de aniquilamento pela separação da mãe ou cuidador (durante o período em que ainda está ligado a eles); medo de perder o amor dos pais ou daqueles a quem amem; medo de crítica e punição, entre outros.

Pode também ocorrer quando a criança se sente culpada por pensar ou fazer algo.

Outra situação, seria quando os impulsos da criança são tão grandes que ela não dá conta.

É provável que uma criança será mentalmente saudável quando ela sabe lidar com o desprazer e isso se inicia na amamentação. A energia impulsiva é deslocada para metas mais acessíveis.

A patologia pode ocorrer quando a criança não suporta lidar com a ansiedade e usa, inconscientemente, mecanismos de defesa para se proteger dessa ameaça, como reprimir os perigos internos e externos, que são fontes de ansiedade; projetar perigos internos no mundo externo; se retrair de maneira fóbica das situações de perigo para evitar a ansiedade.

As crianças tendem a ter melhor saúde mental quando ao invés de recorrer a defesas contra a ansiedade, a enfrentam de forma ativa, como pelo entendimento intelectual, raciocínio lógico, mudança de circunstâncias externas, contra-ataque agressivo, entre outros, ou seja, pelo domínio ao invés da retirada.

Os transtornos de ansiedade infantis mais comuns são: ansiedade de separação, ansiedade social e ansiedade fóbica.

Transtorno de ansiedade de separação:

O transtorno de ansiedade de separação ocorre quando há excessiva ansiedade em razão do afastamento de um cuidador, ou alguém com quem a criança tenha um vínculo afetivo. Em crianças muito pequenas e até a idade pré-escolar, essa reação é esperada e considerada normal.

Será patológica quando se torna inadequada para o grau de desenvolvimento, ou quando interfere no funcionamento da vida diária da criança, podendo ocorrer: sofrimento excessivo e recorrente diante do afastamento dos cuidadores; excessiva preocupação relativa a perigos consigo ou com o outro; deixar de ir a lugares onde está desacompanhada; medo de excessivo de ficar sozinho em casa; dormir só se for com um cuidador e não dormir fora de casa; ter pesadelos e queixas de dores frequentes.

Crianças com ansiedade de separação patológica têm um medo irreal de que algo ruim possa acontecer com eles ou com seus pais, quando se afastam, como acidentes graves ou morte.

Transtorno de Ansiedade Social:

A ansiedade social ocorre quando a criança se sente ansiosa por estar com estranhos. Entre os 2 e 3 anos elas tendem a não se sentir confortáveis perto de pessoas não familiares, evitando, inclusive, comunicarem-se. Este comportamento é esperado para a idade e deve ser entendido como parte do desenvolvimento infantil normal, porém se esse estranhamento persistir e interferir na construção de uma vida social, é possível que este desconforto tenha se tornado patológico, podendo, inclusive, ocorrer ataques de pânico. As crianças evitam as situações sociais ou as suportam com extremo sofrimento, podendo, inclusive, sentir palpitações, tremores, sudorese, diarreia entre outros.

A escola é o ambiente onde as crianças se sentem mais ansiosas, pois os elementos estressores da ansiedade social estão presentes, como por exemplo: conversar com outras crianças, fazer provas, apresentações artísticas e leitura em voz alta.

Transtorno de ansiedade fóbica:

A ansiedade fóbica decorre do medo de certo objeto, ser vivo ou situação, que em si, não representam perigo real, mas que causam ansiedade persistente, irreal e intensa.

Exemplos desse tipo de ansiedade são: hidrofobia (medo de água), agorafobia (medo de lugares públicos), claustrofobia (medo de lugares fechados); zoofobia (medo de animais peçonhentos), etc.

Esse quadro traz ideias negativas e pensamentos aterrorizantes, que podem ressoar no corpo, provocando taquicardia, tremores, sudorese e respostas comportamentais, como se esquivar daquilo que é temido, crise de choro, desespero, paralisação ou até uma crise de pânico.

Considerações Finais:

A ansiedade também pode decorrer de herança genética, fatores ambientais, pais ansiosos e superprotetores, que enunciam um mundo perigoso aos filhos, ou ao contrário, aqueles que negligenciam cuidados podem criar filhos ansiosos por se sentirem inseguros.

Outras causas como o estresse da vida cotidiana, em que as crianças cumprem muitas e exaustivas atividades extraescolares, sem tempo para a brincadeira; uso exacerbado de telas de videogame, smartphones etc., e ainda, traumas vivenciados são fatores que desencadeiam ansiedade.

Crianças com transtornos de ansiedade, podem apresentar dificuldades de aprendizagem e de socialização.

É importante que elas diferenciem o medo do perigo. Podem ter medo, mas devem perceber que nem sempre estão em perigo. Por isso é importante que pais e cuidadores tenham um canal aberto para conversar com a criança sobre seus medos.

É preciso desenvolver não só as habilidades lógicas das crianças, mas especialmente, a forma como elas lida com suas emoções, diante de fracassos e frustrações, para que possam aprender a resolver seus conflitos existenciais.

A família tem papel fundamental na criação de laços onde a criança se sinta protegida e confiante para tratar de assuntos emocionais, onde possa chorar, contar sobre seus sonhos e fantasias, alegrias e frustrações.

A melhor forma de prevenir a ansiedade das crianças é estar presente verdadeiramente na vida delas. Pais que conversam com seus filhos, que prestam atenção neles, que sabem o que está acontecendo na vida deles, que impõem limites e os faz cumprir, formam uma base segura e o filho sabe que aquele é um território confiável.

É preciso que os pais se sintam também seguros para dar esse apoio aos filhos e se necessário, procurem ajuda profissional para que desenvolvam as habilidades emocionais que farão total diferença na vida adulta dos filhos e no convívio entre a família.

Se a ansiedade não for tratada na infância, as angústias e tormentos serão levados para a vida adulta, podendo ocasionar problemas mais sérios como: uso de drogas, depressão e patologias psíquicas diversas.

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