Ansiedades opostas

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por Luís Bianco | Psicanalista

A palavra disforia, em nosso idioma, está relacionada à palavra ansiedade no seu sentido de mal-estar. A primeira não é de uso comum, porém, ansiedade, entre nós, é, na maioria das vezes, empregada nesse sentido negativo, de sofrimento. Antônimo de disforia, a euforia, por outro lado, está associado a um estado de bem-estar, podendo-se, portanto, considerar dois tipos de ansiedade: a disfórica e a eufórica?

De acordo com a teoria psicanalítica que tem nessa questão um dos seus principais temas, tem-se um registro primitivo de um sentimento disfórico e um registro primitivo de um sentimento eufórico, ansiedade ante a expectativa de angustia e outra antecipadora do prazer. Expulsão e reaproximação.

Um registro de ansiedade, sentida pelo ser humano, está já ao nascer, em função do trauma gerado por tal evento. Esse sentimento “primeiro” ou “primitivo”, será reavivado ao longo da vida sempre que ocorrerem situações que tragam à mente, a angustia, o medo e o desamparo sentidos então. Por exemplo, quando o bebê necessitava da presença materna e exteriorizava tal necessidade através do choro.

Por outro lado, pode-se considerar, também, a existência de um outro registro de ansiedade igualmente primitivo – a renovada união com a mãe após o parto – ao qual, porém, estaria associada a expectativa do prazer e bem-estar a ser usufruído através da amamentação e do afeto maternos.

Embora na obra de Freud a ansiedade seja tomada como uma reação a uma situação de perigo, de perda, ele próprio permite a suposição de que ela pode também estar relacionada a uma resposta ante um estado de alegria, de prazer. Referindo-se à brincadeira da mãe que esconde seu rosto da criança e depois, para a alegria dessa última o descobre de novo ele se manifesta no sentido de que, nessas circunstâncias a criança pode sentir anseio desacompanhado de desespero[1].

Em função dessa observação podemos imaginar outras situações nas quais as crianças anseiam pela satisfação de seus instintos sem que isso seja acompanhado de aflição[2]; o que ocorre, por exemplo, na insistência com que elas querem repetir, incessantemente, brincadeiras como ser balançadas e atiradas ao ar. Essa experiência, aliás, será revivida, ainda segundo Freud, como a realização de desejos nos sonhos de voar[3].

Tome-se aqui, um fato dele próprio, como ótimo exemplo para ilustrar o que denominamos ansiedade eufórica. Relata ele que, numa época na qual, voltando das férias com novas forças, sentia-se disposto a retomar sua atividade médica embora tendo poucos pacientes, equivocou-se na atualização de sua agenda. Anotou na data de 20 de setembro um atendimento que só deveria realizar em 20 de outubro.

Ao submeter à análise tal fato concluiu que deve ter pensado: “ O paciente já podia estar aqui; que lástima ter de perder um mês inteiro” [4] e por isso equivocou-se na escrita das datas. Mas, acrescenta que o pensamento perturbador não poderia ser qualificado como desagradável. Para ele essa antecipação era a expressão de um desejo.

Nesse sentido, seria correto tomar-se a ansiedade como palavra sinônima de “pensamento perturbador” ? E, em caso positivo, que ela não poderia ser qualificada como desagradável, mas sim uma ansiedade eufórica ante a expectativa do novo paciente?

Resta, portanto, ao ser humano conviver com o anseio, com a ânsia, que em nosso idioma tem duplo significado: “aflição e angústia”, mas também “desejo ardente[5]. Significativamente encontramos na literatura psicanalítica referência a um “mecanismo de prazer-angústia” [6]. A criança sente o perigo da ausência da mãe, mas ao dar mostras de ansiedade através do choro, como já mencionado, indica também o desejo de cuidados, desejo que vai além do alimento.

Portanto, a intensidade com que foram sentidos primitivamente aqueles dois tipos de ansiedade, a disfórica e a eufórica pelos bebês, corresponda, no futuro deles, à preponderância de características de personalidades pessimistas ou otimistas, seguras ou inseguras, alegres ou nostálgicas.

Tais características, no entanto, não se excluem, pois, como foi visto, existe em nossa mente um mecanismo de prazer-angústia com o qual convivemos normalmente. Caso ocorra um desequilíbrio nele, a Psicanálise pode ser de grande auxílio na medida em que, através do trabalho analítico ela possibilita o reequilíbrio saudável daquela dualidade e, ao mesmo tempo, o incremento da qualidade de vida do paciente.

[1] Freud, Sigmund – Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas e Ansiedade, Análise Leiga e Outros trabalhos (1925-1926) – edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud – Editora Imago – pag.167. [2] Cabe aqui a observação de que na tradução para o português da obra de Freud, o emprego de “anseio” e “ansiedade” gera dúvida. Isso porque, possivelmente, pela forma como essas palavras foram empregadas no texto original daquele autor, não houvesse a intenção de utilizá-las como sinônimas, como o são em nossa língua e no presente trabalho. Por exemplo, na pág. 137 do volume XX da obra de Freud lê-se: “…anseio se transforma em ansiedade”. [3] Freud, Sigmund – “ La interpretación de los sueños” in Obras Completas Sigmund Freud – Editora Nueva – España – 2007 – Tomo 1 – pagª 585. [4] Freud, Sigmund (Psicopatologia de la vida cotidiana) – Obras completas – Biblioteca Nueva – Tomo I – pág.829. (tradução do autor). [5] Buarque de Holanda, Aurélio Ferreira -Novo Dicionário da Língua Portuguesa – Editora Nova Fronteira. [6] Reich, Wilhelm – A biopatia do cancer – Martins Fontes – pags.397.

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