Psicanálise, a ciência pouco conhecida

por Larissa Borges Nerys | Psicanalista

Psicanálise, a ciência pouco conhecida

Alguns odeiam a psicanálise, outros amam, e a maioria, nem sequer conhece. O que faz a psicanálise despertar sentimentos tão extremistas, seja de um lado, ou de outro, e ainda por cima, sofrer tanto preconceito, a ponto da maioria não conhecê-la até hoje, em pleno século XXI?

Para começar, quero trazer algumas reflexões: O que é ciência? O que torna algo científico? E o que é a psicanálise? E o mais importante, o que faz da psicanálise uma ciência? Essas são algumas questões que quero discorrer aqui.

Bom, pesquisando na internet, segundo o dicionário Oxford Languages, ciência é:

  1. conhecimento atento e aprofundado de algo.
  2. corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, e formulados metódica e racionalmente.

E se você pesquisar o que torna algo científico, você encontrará que um dos resultados da pesquisa diz:

Para ser científico, o conhecimento deve ser validado e demonstrado através de investigações e experimentações. O conhecimento científico é, portanto, aquele que é passível de teste, racionalmente válido e justificável e que pode ser replicado e alcançado através de estudos, observações e experimentações.

Ou seja, para a psicanálise se tornar uma ciência, ela teria que ser observada, identificada, pesquisada, explicada e formulada. Mais profundamente, ela teria que ser validada e demonstrada através de investigações e experimentações. E constatado tudo isso, ela poderia ser replicada.

Mas pensando bem, não foi isso o que Freud fez?

Antes de discorrer mais sobre esse assunto, primeiro preciso responder: o que é a psicanálise? A psicanálise é uma ciência que estuda o inconsciente humano, mais popularmente conhecido como o ‘subconsciente’. É no inconsciente que se encontram nossos desejos mais profundos, nossos sentimentos reprimidos, é nele que se encontram pensamentos que um dia foram conscientes, e que, por alguma razão, se tornaram, de fato, inconscientes, que nós nem lembramos mais. Mas que, felizmente, ou infelizmente, controlam toda a nossa vida, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, controlam tudo o que somos, e todas as nossas escolhas e decisões ao longo da vida. Então, por mais que alguns neguem a psicanálise na teoria, não tem como escapar dela na prática.

Muitos dos conflitos que vivemos na vida adulta, possivelmente têm a ver com o que vivemos na nossa infância, com algum trauma que sofremos no passado (que talvez nem lembramos), e que podem estar afetando todas as áreas da nossa vida no presente. E o que a psicanálise faz é ajudar a pessoa a entrar em contato com esse trauma, e ressignificá-lo, de maneira que ela possa ter um olhar diferente para ele, e, consequentemente, ter uma perspectiva diferente em todas as outras áreas da sua vida, a ponto de resolver os conflitos atuais, e seguir em frente da melhor maneira possível.

Agora, a respeito de Freud, muitos acreditam que ele primeiro fundou a psicanálise, para depois encontrar vestígios de sua teoria nos livros, mitologias… A verdade é ao contrário. Freud gostava muito de ler, e o que mais chamava sua atenção nas histórias era um padrão, uma repetição de comportamento. Ele gostava de analisar o comportamento dos personagens, quer fosse nas mitologias gregas e romanas, quer fosse nos livros de ficção de outros autores. Uma das coisas que ele observou foi o complexo de Édipo (teoria na qual o filho deseja a mãe, e para isso ele deseja tomar o lugar do pai; e o mesmo se aplica à menina, a filha deseja o pai, e para isso ela deseja tomar o lugar da mãe). Um exemplo clássico disso é a própria história de Édipo (mitologia grega), o mito com o qual Freud nomeou o complexo de Édipo.

Resumidamente, o mito conta que quando Édipo nasceu, uma profecia foi lançada na cidade, de que Édipo mataria o rei, seu próprio pai. O rei, indignado, mandou matar seu filho, mas o filho foi poupado, sem que o rei soubesse. Resultado: anos depois, Édipo, sem saber quem eram seus verdadeiros pais, matou o rei, seu pai, e casou-se com a rainha, sua mãe. Depois, ao descobrir que ele tinha casado com sua própria mãe, Édipo ficou tão transtornado, que furou seus próprios olhos.

Outro exemplo em que Freud observou esse padrão, foi nos livros de Dostoiévski. Mais precisamente, em “Crime e castigo” e “Os irmãos Karamazov”.

Agora, o leitor pode estar se perguntando: “Mas todos esses livros que ele leu não são livros de ficção? Não tem nada a ver com a realidade!” Mas eis aí a questão: o que é a ficção, senão a vazão de nossos desejos mais profundos? Na ficção, não temos pudor, na ficção, damos vida aos personagens e fazemos através deles tudo aquilo que gostaríamos de fazer na vida real e não temos coragem, fazemos tudo aquilo que é proibido, e é proibido justamente porque esses atos trariam consequências terríveis, se realizados.

E tem mais, ninguém cria histórias do nada, ninguém inventa personagens do nada. Os escritores de ficção tiveram que, no mínimo, observar o comportamento das pessoas ao seu redor, observar os acontecimentos ao seu redor, para poder criar seus personagens e suas histórias com base no que viram. Ou seja, por mais que os contos sejam fictícios, sempre há algo de real dentro deles.

Freud, sabendo de tudo isso, começou a investigar. Ele começou a aplicar essa teoria em seus pacientes, claro que não de forma direta, como se quisesse induzir o paciente a essa conclusão, mas ele começou a investigar essa teoria com base no que seus pacientes traziam em seu consultório. Resultado: quanto mais pacientes ele atendia, e quanto mais tempo ele investia atendendo seus pacientes, mais a teoria do complexo de Édipo se comprovava. Intrigado com tudo isso, ele simplesmente não podia negar o que estava diante de seus olhos. Foi aí que a psicanálise surgiu.

Como o leitor pode imaginar, depois de Freud vieram outros psicanalistas (uns tiveram a oportunidade de conhecer Freud, outros não), e alguns deles são: Carl Jung, Wilhelm Reich, Françoise Dolto, Melanie Klein, Lacan… Todos eles tiveram a chance de comprovar as teorias de Freud, e ainda por cima, trazer mais contribuições para a psicanálise. Com a ajuda de todos eles, hoje, temos o privilégio de ter alguns institutos brasileiros que oferecem cursos de psicanálise, e quanto mais o tempo passa, e quanto mais alunos se formam, e mais pacientes são atendidos, mais as teorias psicanalíticas são replicadas e comprovadas na prática. E, em uma coisa eu acredito, que esses institutos podem afirmar, com certeza, que eles já ajudaram a mudar a vida de muita gente.

Como o leitor pode ver, a questão não é se a psicanálise é uma ciência ou não. A questão é se as pessoas estão dispostas a descobrir e sentir o que está encoberto em seus inconscientes, e com base nessa tomada de consciência, poder fazer uma escolha, que pode mudar todo o rumo de vida, quer elas estejam satisfeitas ou não com suas escolhas até agora; quer elas estejam satisfeitas com a vida que escolheram para si.

Infelizmente, o que fazem alguns terem tanto preconceito contra a psicanálise, não é o fato dela não ser uma ciência, mesmo porque vimos aqui que ela é sim uma ciência, mas o que realmente gera o preconceito é o medo do desconhecido, é o medo de olhar para o próprio interior, e descobrir coisas inimagináveis, coisas impensáveis, mas que uma vez reveladas e sentidas, podem mudar uma vida; se a pessoa quiser. Só se a pessoa quiser.

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