Fragmentos

por

por Iara Solange | Psicanalista

Prezados,

Nasci em Freiberg, na Morávia, até então parte do Império Austríaco, em uma casa simples, de dois andares, em cima de uma ferraria. Era dia 6 de Maio de 1856. Naquela época, a cidade tinha cerca de quatro mil e quinhentos habitantes com aproximadamente 130 judeus, entre eles, meus pais. Eram pobres comerciantes de lã.

O nome que me foi dado e registrado na bíblia do meu pai foi Sigismund Schlomo Freud, porém , ao ingressar na universidade, suprimi o nome do meu avô paterno e adotei o nome Sigmund Freud definitivamente.

Meu pai, Jacob Freud, já era um homem com idade para ser meu avô quando nasci. Aliás, ele já era avô! Calma, eu explico: Sou fruto do terceiro casamento dele. Por ocasião do meu nascimento, ele já tinha dois filhos adultos e o mais velho já era pai.

O outro era apenas um ano mais novo que a minha mãe, uma linda mulher, vinte anos mais jovem do que meu pai e que combinava muito mais, na aparência, com meu tio Philip. Assim pensava eu , durante meus primeiros anos

Meu companheiro de infância foi meu sobrinho John ( mais velho que eu) com quem tive uma relação de amor e ódio. E hoje, percebo que esse tipo de relação permeou grande parte das minhas amizades ao longo da vida.

Talvez um dia eu possa escrever algo a respeito disso. ( Ver em “A interpretação dos sonhos” : ‘Um amigo íntimo e um inimigo odiado sempre foram requisitos necessários de minha vida emocional’)

Em 1860 nos mudamos para Viena, depois de uma breve passagem por Leipzig. Vivíamos com grandes dificuldades econômicas e meu tio paterno trouxe a desgraça para o nome da família. Ele foi preso por negociar moedas falsas. Foi uma enorme vergonha para todos e grande sofrimento para meu pai.

Nunca gostei de Viena e sempre senti muita falta de Freiberg e o contato com a natureza e as paisagens daquele lugar. Afinal, foi lá que desfrutei as regalias de ser o primogênito de uma mãe jovem e bonita por, pelo menos, dois anos e meio, até a chegada da minha irmã Anna.

Minha mãe era uma mulher imponente, enérgica e dominadora e meu pai era amável. Às vezes chegava a parecer um tanto incapaz e me despertava sentimentos contraditórios.

Quando ele me contou a história de que um cristão havia jogado seu gorro no estrume da rua, dizendo “Judeu, fora da calçada” e ele apenas saiu da calçada e pegou o gorro, julguei que ele era covarde e quis muito me vingar. Nunca fui de me curvar aos demais pelo simples fato de ser judeu.

Tive cinco irmãs e um irmão. A família era grande e meus pais tinham grande esperança de sucesso em minha vida. Eu era o favorito da família. Gostava de ler, de estudar; acabei exercendo um certo domínio familiar, mas era atencioso com meus irmãos, apesar de autoritário.

Com a ajuda dos meus irmãos mais velhos, que já estavam bem estabelecidos na Inglaterra, começamos e desfrutar de uma situação mais confortável economicamente mas, o único que tinha um aposento privativo era eu, para que pudesse estudar com tranquilidade.

Lembro até que, em certa ocasião, reclamei do som do piano em que minha irmã tinha aulas de música e esse piano sumiu de casa para nunca mais voltar.

Cresci em um período bastante conturbado para os judeus em Viena. Havia um forte discurso antijudaico, apesar das oportunidades que se abriam em diversas áreas enquanto o número de judeus só aumentava.

Como era esperado em minha família, fui um aluno brilhante. Primeiro da classe, de conduta exemplar. Estes atributos só serviram para reforçar as expectativas que meus pais tinham sobre meu futuro grandioso e que eu também começava a acreditar.

Eu tinha sede de conhecimento. A doutrina Darwiniana me encantava e meu pai me incentivou a seguir minhas inclinações na escolha da profissão. Cheguei a cogitar o curso de direito , mas foi apenas por influência de um amigo do Liceu.

Aos 17 anos, optei pela medicina.

Percebi que o assunto que mais me atraía era a natureza humana. Eu queria ir além de apenas adquirir conhecimento. Queria promover restabelecimento e, quem sabe, a cura para os pacientes.

O curso foi mais longo do que o esperado. No início da vida acadêmica, voltei minha atenção para assuntos de ordem filosófica, o que tornou meu pensamento mais complexo, apesar de minhas reticências diante da filosofia, naquele momento.

Depois, desenvolvi um trabalho de pesquisa, com um dos professores, que muito me ajudou a aprimorar a observação e atenção concentradas. Estes atributos se mostraram muito úteis no atendimento aos pacientes, no futuro.

Com meu mentor Ernest Brucke, desenvolvi uma relação quase filial, porém inversa à que tive com meu pai. Brucke era reservado, exigente e exercia a sua autoridade apenas com o olhar. Ele se tornou o ideal de disciplina profissional e em seu laboratório me aproximei do trato do sistema nervoso.

Sempre tive um interesse apaixonado por pesquisas, experiências laboratoriais e conferências, porém, precisava ter ganho financeiro. Eu já estava noivo de Martha Bernays. Brucke, me aconselhou a começar a trabalhar no Hospital Geral de Viena, pois precisava adquirir experiência no atendimento a pacientes para que, num futuro próximo, eu pudesse abrir minha própria clínica e ter ganho suficiente para me casar.

Assim o fiz e experimentei várias especialidades médicas. Comecei com um cargo humilde e em 1885, por indicação de Brucke, Nothnagel e Meynert, recebi a indicação do Ministério para o cargo de “Privatdozent”, que me trouxe prestígio, mas continuava sem o salário necessário.

Neste mesmo ano, com o apoio de Burcke, consegui uma bolsa de viagem para Paris e tive a oportunidade de trabalhar com Jean Martin Charcot no estudo microscópico de cérebros infantis e a acompanhá-lo no diagnóstico e identificação de doenças mentais específicas.

Ele era um médico prestigiado, uma celebridade social, e havia estabelecido que a histeria era uma enfermidade que atingia homens e mulheres e resgatara a hipnose da mão de curandeiros e charlatães, utilizando-a no tratamento de doenças mentais de pacientes histéricos.

Aprendi com ele que “a teoria está muito bem, mas isso não impede que os fatos existam”. Carrego essa frase comigo. Também conheci o trabalho de Bernheim , para o qual a hipnose seria uma sugestão e , portanto, atingiria a todos.

Quando retornei a Viena, traduzi o trabalho dos dois e passei a difundir as ideias de Charcot, que não foram tão bem aceitas quanto eu esperava que fossem.

Percebi que era o momento de seguir meu caminho e pedi demissão do hospital. Com a ajuda de Breuer e Nothnagel, que me enviaram pacientes com distúrbios neurastênicos, passei a clinicar de modo particular.

Em 1886 me casei com Martha e em 1887 tivemos nossa primeira filha, Mathilde. O nome foi uma homenagem à esposa do meu amigo e mentor Joseph Breuer. Neste ano, por intermédio de Breuer, conheci Wilhelm Fliess e nossa amizade durou vários anos.

Ele se tornou um grande confidente de assuntos de ordem pessoal e acima de tudo um crítico e apoiador dos estudos que fui desenvolvendo no decorrer desses anos que se seguiram ao início dos meus atendimentos a pacientes com doenças nervosas.

Meu trabalho com Breuer, iniciado em 1890, sobre o caso da paciente dele em 1880, foi muito importante para o desenvolvimento do que chamo hoje de Psicanálise.

O nome da paciente era Bertha Pappenheim, conhecida na publicação “Estudos sobre a Histeria” , de 1895, como Anna O. Com este estudo pudemos perceber a possibilidade da cura pela fala e essa percepção norteou todo o meu trabalho posterior.

Recebi muitas críticas e rejeição a cada trabalho publicado mas segui adiante. Minha teoria foi sendo desenvolvida a cada atendimento, a cada novo caso e aos desafios que me traziam. Paralelamente a isso, fui fazendo minha autoanálise que se tornou, também, material para a própria teoria.

Outros acreditaram na técnica que desenvolvi, a associação livre das ideias e passaram a fazer uso da mesma abordagem em seus atendimentos, possibilitando melhor qualidade de vida aos seus pacientes.

São chamados de Psicanalistas! São médicos da alma!

Desde então, a teoria psicanalítica serve como ferramenta importante no tratamento das diversas patologias de ordem psíquica, bem como tem seu lugar no processo de autoconhecimento para aqueles que buscam qualidade em sua saúde mental.

Sem mais,
Sigmund Freud

(Bibliografia – Freud: A Life for our time – Gay, Peter)

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