Mulheres e psicanálise

por Cristina Costa

Neste número da revista, escolhemos homenagear as mulheres e sua contribuição para a psicanálise que se desenvolveu entre o fim do século XIX e início do século XX, quando também recrudesceram os movimentos das mulheres por espaço e reconhecimento na vida social e nas frentes de trabalho, nas mais diferentes funções. Mas as mulheres entram na psicanálise pelo divã, isto é, como pacientes que o jovem Freud analisou mulheres que, em sua maioria, apresentavam histeria, uma patologia que tinha sua origem na repressão de desejos sexuais que se manifestavam no corpo por dores e paralisias, por exemplo. Freud, assim diagnosticando as queixas dessas pacientes, propõe uma ideia revolucionária para sua época – o reconhecimento da mulher como um ser desejante.

 

O trato dessas pacientes levou-o a desenvolver suas teorias sobre a relação entre  sexualidade e psique, concebendo o conceito de inconsciente como elemento fundante do comportamento e do sentimento humano. Para isso, valeu-se de uma abordagem multidisciplinar que incluía medicina, biologia, história, antropologia, mitologia e arte, mas que se centrava em um ponto basilar que era o homem. Essa polaridade – ter iniciado seus estudos com as mulheres e desenvolvido uma teoria centrada no homem, acabou por deixar lacunas no entendimento do que é a mulher, fazendo-o perguntar na publicação do caso clínico Dora – Afinal, o que deseja a mulher?

 

Os psicanalistas que o sucederam também lidaram com essa polaridade. Carl Gustav Jung propõe os conceitos de animus e anima, arquétipos da masculinidade e feminilidade que existem em todo ser humano. Jacques Lacan, entretanto, revendo as teorias freudianas, aceita que o falo é o elemento central da vida pública e social, deixando as explicações sobre o feminino sem respostas claras.

 

Diante disso, para a psicanálise, a mulher se tornava o não-falo, o não-todo, pensando-se sempre que o todo era o homem.

 

Mas foram justamente as mulheres que, saindo do divã e entrando para a psicanálise como analistas e não mais como pacientes, trouxeram contribuições para o entendimento do feminino em sua complexidade, ambivalência e subjetividade. Foram elas que reafirmaram a importância da maternidade na criação dos vínculos afetivos primordiais que empoderam homens e mulheres, promovendo uma estrutura psíquica saudável e equilibrada. Mulheres como Anna Freud, a filha mais velha de Freud, sua colaboradora, editora e gestora de seu patrimônio científico; como Melanie Klein, que analisou o desenvolvimento psíquico das crianças e a relação materno/filial, estudaram as crianças como sujeitos e não como uma fase do desenvolvimento adulto. Psicanalistas como Hanna Segal, que abriu espaço para a compreensão da arte e do simbolismo e popularizou a psicanálise, ou como Françoise Dolto, que estimulou a relação próxima com as crianças e o uso da comunicação e da linguagem desde tenra idade, mostraram o que pode desvendar o olhar feminino.

 

“Foram justamente as mulheres que, saindo do divã e entrando para a psicanálise como analistas e não mais como pacientes, trouxeram contribuições para o entendimento do feminino”

 

Também no Brasil, na década de 1930, a participação das mulheres foi essencial. Virgínia Bicudo, mestiça e filha de um negro nascido de ex-escrava , foi a primeira mulher a se deitar em um divã na América Latina. Vinda da educação e da higiene mental, estudou sociologia e, depois, como assistente de Durval Marcondes na cadeira de psicanálise da Escola Livre de Sociologia e Política, de São Paulo, conseguiu trazer para o Brasil, a primeira psicanalista didata – Adelheid Kock. Esta, alemã, membro da Associação Internacional de Psicanálise, formou a primeira geração de psicanalistas e conseguiu o reconhecimento da Sociedade de Psicanálise de São Paulo. Com elas trabalharam no estudo e atendimento de crianças Marialzira Perestrello e Lygia Alcântara Amaral, estabelecendo fortes laços entre a psicanálise brasileira e a alemã e inglesa.

 

Outra pioneira foi Nise da Silveira, médica psiquiatra que revolucionou o tratamento de doentes mentais no Centro Psiquiátrico Nacional D. Pedro II, no Engenho de Dentro. Desenvolveu a arteterapia, criou o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, e introduziu os estudos junguianos no Brasil.

 

A colaboração dessas mulheres para o desenvolvimento da psicanálise foi imenso e foram elas que deram aos estudos sobre a mulher sua relevância e complexidade, trazendo para dentro da observação analítica o cuidado, a educação, a comunicação, a ambivalência, a arte e a maternagem, todas essas características de uma maneira não-homem de existir. Nossas melhores homenagens a essas pioneiras que trabalharam muito e deixaram um legado imensurável por onde estiveram.

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