Por que levamos os traumas da infância para a vida adulta?

por Roseana Coelho | Psicanalista

Por que levamos os traumas da infância para a vida adulta?

Faz parte do cotidiano ouvir de um conhecido que ele tem um trauma. Que “isso é um trauma pra mim”, “fiquei traumatizada com o que aconteceu”, “eu tenho um trauma na vida”. Mas o que é trauma?

Geralmente, esses discursos vêm seguidos de uma história que conta um momento em que algo incomum aconteceu, algo que não deveria ter acontecido, que deixou memórias doloridas, difíceis de serem superadas.

Pensando em trauma como algo que quebra a continuidade do cotidiano, da vida, podemos imaginar que algo que vinha acontecendo de uma maneira linear foi interrompido ou quebrado por uma experiência. Como um vaso que cai e quebra, você pode colar, mas sempre vai estar trincado. Assim a experiência traumática deixa sua marca para sempre.

A vida em si é uma experiência de desenvolvimento que começa desde os primeiros segundos da gestação. Assim como o bebê vai desenvolvendo o corpo por partes durante a gestação, o emocional também vai se desenvolvendo por partes e acontecem ao mesmo tempo, não linearmente, em um movimento fluido de construção e reconstrução, como uma obra de arte que vai sendo lapidada aos poucos, e que toma vida própria e subjetiva durante seu existir.

O desenvolvimento emocional também segue uma linha, como um brinquedo de montar, em que cada peça precisa encaixar para construir um todo. Seguindo seu ritmo e sua forma, é um produto artesanal, que não dá pra ser copiado ou reproduzido em larga escala.

Depende de diversos fatores, depende do ambiente, do cuidado, da experiência de cada um.

O fio da vida vem sendo costurado a muitas mãos, vem dos ancestrais, da história familiar e do mundo, tudo interligado como um sistema perfeito que se integra sempre com uma tendência ao desenvolvimento.

Sendo assim, o que está relacionado à história, desde bebê, desde a infância, faz parte desse fio, desse todo que vem sendo encaixado peça a peça.

E o que acontece quando alguma parte se perde, acontece algum desvio no curso do rio? O trauma. Um bloqueio. Um “isso” que pode não ter nome, que pode estar escondido nos labirintos do inconsciente e, de repente, aparecer em uma resposta emocional intensa, em dores psíquicas ou físicas.

As causas podem ser mais claras, como um acidente grave, uma guerra, desastres naturais, mas também podem ser mais sutis, intensas e subjetivas, que só quem viveu pode mensurar a intensidade, pode ser algo considerado por alguns banal, mas é singular, é dolorido.

Um abandono quando criança, uma frustração, ou falta dela, tristezas ou violências intensas em casa, mesmo que com outras pessoas, falta de oportunidade, não ser ouvido, cobranças excessivas, desejos não realizados, sonhos que não puderam ser sonhados, podem gerar marcas que vão ser levadas à vida adulta.

Existe a ideia de que não há como termos lembranças de quando somos muito pequenos, bebezinhos. Talvez não haja lembrança como as entendemos, conscientes, que possam ser contadas em um discurso com palavras, mas existem as memórias corporais, as memórias sensoriais, que ficam marcadas no corpo. E o corpo estava lá, desde os primeiros segundos. Ele cresceu, desenvolveu, mas ainda é o mesmo corpo, ele esteve em todos os momentos. Antes da linguagem, antes do pensamento.

A memória do conforto do útero materno, daquele lugar em que a potência de desenvolvimento está em seu ápice. A memória de um colo que acolhe e protege, e a de um colo que não sustenta também. De um abraço que não foi dado, de um olhar que não enxergou. Os momentos iniciais também fazem parte do desenvolvimento do ser, de um adulto que vai surgir.

Um termo conhecido é o “estresse pós-traumático”, em que as reações ao evento traumatizante ocorrem quase imediatamente. Algumas pessoas entram em estado de choque, outras em negação, choram descontroladamente, outras gargalham, cada pessoa responde a seu modo. As vezes esse “estresse” ocorre por toda a vida, mesmo sem que seja percebido com tanta clareza.  Por exemplo, um momento traumático da infância pode aparecer na fase adulta em forma de pesadelos, pois ficou registrado no inconsciente. E o inconsciente é atemporal.

Ao entrar em contato com uma memória, mesmo que sem lembrança, os sentimentos ressurgem como se fossem atuais, associados com algo que aconteceu recentemente, que não dá pra explicar muito bem, mas que causam um impacto imediato. Podem ser sentimento de culpa, ansiedade, vergonha, tristeza, raiva, mudanças no comportamento, como uma reação agressiva e violenta, geralmente inexplicáveis.

Todas as experiências ficam registradas, mas as que quebram o fluxo natural tendem a ter uma força maior, por serem extraordinárias. É importante lembrar que os recursos para lidar com os conflitos também são desenvolvidos de forma progressiva, através da vivência, das possibilidades da existência, e crianças têm menos recursos internos e externos para lidar com suas desordens emocionais do que adultos.

Os traumas deixam suas marcas por toda a existência, então conhecer sua história, poder olhar como adultos para os momentos primários que causaram dor e acolher essa criança interna, geram a possibilidade de viver em harmonia com seu fluxo de vida.

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