Wilhelm Reich e sua lógica poética

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O poeta está vivo
Com seus moinhos de vento
A impulsionar
A grande roda da história

O poeta não morreu
Foi ao inferno e voltou
Conheceu o Jardim do Édem
E nos contou

Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de vento

Trechos de “O Poeta Está Vivo“ – Roberto Frejat e Dulce Quental

Os poetas estão vivos!!! Aqueles que transcendem a lógica dos fatos, que enxergam onde a vista da consciência não alcança, que assim como o inconsciente, carregam em si e nos revelam a realidade quando nos dispomos a “lê-los” com a alma desnuda de resistências. Não em vão Freud, o maior estudioso do inconsciente humano, afirmou que onde quer que vá, descobre que um poeta já esteve lá e diz ainda que foram os poetas e filósofos que descobriram o inconsciente, porém, ele descobriu o método para estudá-lo.

Wilhelm Reich, assim como muitos poetas e filósofos, foi além do automatismo da lógica, do previsível e do politicamente correto ao nos apresentar sua obra e contribuir com a história da Psicanálise. Reich nos apresentou a vida em sua forma genuína, conseguiu enxergar o manancial de energia que todo ser humano carrega, mas que inadvertidamente se perde do mesmo, criando bloqueios que o distancia de sua essência. Reich foi ao inferno e voltou, conheceu os Jardins do Édem e nos contou! Mas não aquele inferno bíblico onde tudo termina para pecadores, mas o inferno onde tudo começa pela lógica dantesca do poeta. O inferno da miséria humana que sonha em chegar ao seu paraíso, ao Édem existencial, mas que se mantém no limbo, no purgatório, no meio do caminho sendo protagonista de uma “divina comédia”.

Wilhelm Reich, fotografiert von L. Gutmann, Wien

Incluir o pensamento de Wilhelm Reich na lógica poética é considerar que a trajetória de sua obra na história da Psicanálise foi no sentido de revelar o inferno existencial humano proveniente da construção psíquica de bloqueios que negam a liberdade natural de ser e existir enquanto espécie humana. Mas sua obra nos apresenta também o purgatório, o limbo existencial, o lugar daqueles que não estão nem no paraíso (plenitude da vida) e nem no inferno (plenitude da destruição), aquele lugar mediano do psiquismo humano onde as defesas para evitar o inferno são tão fortes, que formam verdadeiras couraças que impedem o caminho ao paraíso, à plenitude da vida.

Discípulo de Sigmund Freud, médico, psicanalista e cientista, Reich trouxe para a história da Psicanálise a consideração de que os bloqueios sexuais construídos desde a vida intrauterina a partir de padrões socialmente construídos e historicamente transmitidos, impedem que o ser humano utilize de forma integral seu potencial energético, construindo para si couraças que se revelam em forma de doenças físicas e emocionais.

Ao se utilizar do aporte das ciências biológicas e sociais em suas pesquisas, trouxe à tona o quanto o ser humano, diferente de outras espécies do reino animal, se distancia de sua natureza e consequentemente do prazer natural, onde o automatismo pela garantia da sobrevivência lhe rouba a percepção sobre a possibilidade do paraíso, ou seja, da vida como um manancial em todas as suas manifestações: trabalho, sexo, lazer, amizades e vida em família; o quanto o ser humano perde de vista seus amores, destrói-se e luta em vão com seus moinhos, deixando de impulsionar a roda de sua história.

Embora Reich nunca tenha se apresentado como poeta, na roda da história da Psicanálise, foi aquele que a despeito de todo julgamento e incompreensão sobre sua luta e obra, não perdeu de vista suas paixões da juventude, assim como o bravo Dom Quixote ao lutar com seus moinhos de vento. Ouviu seu pensamento corajosamente e permitiu-se ser iluminado, rompendo a escuridão da lógica, onde o amor, o trabalho e o conhecimento foram considerados por ele como as fontes da vida, e não o contrário. Para ele, as enfermidades psíquicas são o resultado de uma perturbação da capacidade natural de amar. Capacidade esta, que transcende a lógica, que é humanamente natural e por ser tão simples e óbvia, desprovida de complexidade, tem sido tão negada, necessitando da lógica do poeta para ser reconhecida e vivida.

Mas para ouvir o poeta também é preciso coragem e disposição, pois corre-se o risco de o pensamento acordar e movimentar a roda da história.

Dulcinéia Mendes
Psicanalista

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