Determinismo psíquico, inconsciente e livre arbítrio

por Kelli Novaes | Psicanalista

Determinismo psíquico, inconsciente e livre arbítrio: como a psicanálise nos ajuda em nossas escolhas?

Sigmund Freud tem uma frase célebre que abarca a questão em epígrafe: “O ego não é o senhor da sua própria casa” (Freud, 1917/1976b, p. 178). A consciência é um atributo excepcional nos processos psíquicos e os processos inconscientes ocorrem com maior frequência, sem que saibamos disso. Temos consciência de apenas uma pequena parcela daquilo que nos move. Tudo o que não sabemos, tudo aquilo que não temos consciência é da ordem do inconsciente.

O intuito da Psicanálise é iluminar os conteúdos do inconsciente para que possam ser conhecidos e elaborados pelo analisando (paciente), permitindo que ele faça escolhas conscientes e não mais seja dirigido por algo que desconhece.

E afinal, o que é Determinismo psíquico?
Determinismo psíquico ou princípio da causalidade significa que tudo o que acontece na vida psíquica é decorrente de um evento anterior, há uma causa para que aquilo ocorra. Nada acontece por acaso, não há descontinuidade da vida mental. Nada é acidental. Há uma cadeia de conexões, de eventos anteriores que faz com que vivenciemos determinada experiência.

Para a Teoria Freudiana, esquecer ou perder algo não é obra do acaso. Se alguém perde a chave de casa, em uma sessão de análise, é possível saber qual o desejo ou a intenção daquele que a perdeu. Há algo muito além daquilo que percebemos, há algo da ordem do inconsciente que faz com que as coisas aconteçam, ainda que possamos pensar em “acaso”. Os sonhos são outro exemplo da ocorrência do determinismo psíquico: são imagens encadeadas, consequência de eventos psíquicos anteriores e que se relacionam de maneira significativa com a vida psíquica do sonhador.

Os próprios sintomas são desencadeados por acontecimentos anteriores, vez que mente e corpo são únicos e funcionam de maneira interligada. Tudo tem uma causa antecedente, ainda que desconhecida (inconsciente). Se um pensamento, um esquecimento acidental, um sonho ou um sintoma não parecem se relacionar com o que aconteceu antes, significa que este processo de encadeamento é da ordem do inconsciente. Tudo o que pensamos e dizemos é determinado pelo inconsciente.

Um dos pilares da Psicanálise é a “associação livre de ideias”, onde o paciente fala o que lhe vem à mente, a fim de possibilitar ao psicanalista, perceber o que passa pelo inconsciente daquele. Freud apontava que muitas pessoas contestavam a suposição de um determinismo psíquico invocando um sentimento especial de que existe um livre-arbítrio. No entanto, até mesmo esse sentimento, considerado por Freud como um sentimento “normal”, é passível de explicação, pois existe algo que o justifica: “Pelo que posso observar, porém, ele não se manifesta nas grandes e importantes decisões da vontade: nessas ocasiões, tem-se antes o sentimento de compulsão psíquica, e de bom grado se recorre a ele.

Em contrapartida, é justamente nas decisões indiferentes e insignificantes que se prefere asseverar que teria sido igualmente possível agir de outra maneira, que se agiu por uma vontade livre e não motivada (Freud, 1901: 250).” Assim, a cada momento que Freud pretendeu, pela via das ciências naturais, tecer uma explicação linear do inconsciente a partir dos seus efeitos, deparou-se com pontos de obstáculo que impedem que se faça uma explicação causal.

Se a repetição do sintoma é o que demonstra que há algo fixado, que há uma certa estrutura, como ter acesso a esse invariável se do inconsciente só temos seus fragmentos ficcionais e contingentes? Como é possível o sujeito repetir no futuro uma vivência do passado? Não há linearidade nessa questão, o inconsciente é atemporal e se move para o passado, presente ou futuro. De acordo com essa afirmativa, consideremos que mesmo sendo o sentimento do
livre-arbítrio algo que encontra sentido na vida consciente, ela logo perde seu espaço quando passamos a dar crédito à existência de uma vida psíquica que não se organiza de maneira caótica e misteriosa, mas sim de maneira determinada, onde se fazem presentes leis e princípios. Pensar no inconsciente, tal como Freud o postulou, é pensar que mesmo quando a consciência deixa o sujeito livre de suas funções, ainda assim o sujeito passa a não estar totalmente entregue a uma situação psíquica de liberdade, já que o funcionamento inconsciente não deixou de estar atuante.

Se todas as nossas vivências são decorrência do princípio da causalidade, é possível afirmar que muitas vezes experenciamos situações repetitivas, como nos relacionarmos com pessoas que nos abandonam, nos colocarmos em situações de risco com frequência etc. e o determinismo psíquico se coloca, pois o resultado de tais experiências é resultado de causas anteriores e se não a conhecemos, continuaremos a repetir.

Com a psicopatologia da vida cotidiana, Freud não só enxergou uma ampla atuação do determinismo inconsciente, como estreitou a tênue linha que separava a condição mental “normal” e “patológica”. Dessa forma, a psicanálise fundou-se como uma ciência do psiquismo, na qual admite-se a existência de forças inconscientes que prevalecem sobre as conscientes, de maneira a revelar que o inconsciente vem restringir a liberdade consciente do sujeito, seja em grau maior, nos quadros ditos “patológicos”, seja em grau menor, nas chamadas psicopatologias da vida cotidiana.

Ao igualar os processos psíquicos que existem nos quadros “patológicos” e “normais”, a psicanálise parece não deixar brechas para a suposição de que em algum segmento de nosso psiquismo possamos estar absolutamente livres de influências determinantes de outros elementos psíquicos. Isto implica que nossa vida cotidiana, dita “normal”, está absolutamente impregnada de formações do inconsciente, nos expondo ao terrível fato de que mesmo não estando sujeito a grandes patologias, ainda assim não podemos considerar nossas ações, comportamentos e intenções como sendo de uma natureza completamente livre.

Nossas decisões são bastante restritas. Diante do determinismo psíquico, nosso livre-arbítrio é bem menos livre do que possamos supor. Ele também é determinado pelo princípio da causalidade enquanto ignorarmos nosso inconsciente. O sujeito que se lança em uma análise, é, portanto, aquele que vai poder, através da palavra e do deslizamento das representações – que até então estavam no centro de suas vivências traumáticas e recalcadas – direcionar as forças psíquicas para uma saída que seja possível e menos angustiante para ele.

As escolhas estão impregnadas de nossa história ancestral, nossa biologia, sociedade em que estamos inseridos, bem como, da história de nossa concepção e nossas relações interpessoais. O inconsciente trabalha nos movendo em direção a nossas pulsões, aos nossos desejos.

Não há como escolher aquilo que desconhecemos, ainda que inconscientemente. Toda vontade ou arbítrio, se desenha com as linhas do que já foi vivenciado pelo sujeito ou sua ancestralidade. O homem não está no comando de sua vida, não sendo, portanto, senhor de seu destino, e sem saber, age movido por seus desejos mais escondidos.

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