por Dolores Araújo | Psicanalista e Psicoembrióloga
Freud dedicou alguns estudos para entender as mulheres e o desejo
feminino se destaca em nossa era, evidenciando o que elas realmente
querem.
Se para Freud, que durante décadas se dedicou aos estudos referentes à mulher e ao feminino, essa pergunta ficou sem resposta, imagine como é para os simples mortais?
Desvendar o enigma que habita a complexa alma feminina, tem sido um desafio que move a sociedade como um todo, incluindo cientistas e estudiosos de diferentes áreas do conhecimento.
Sobre as mulheres e a criação feminina
É fato que, desde o início da humanidade, a mulher, quase sempre, está associada ao pecado, ao impuro e ao profano.
Eva, aquela que para existir, Adão teve que lhe conceder uma de suas costelas, foi considerada (e para muitos ainda é) uma mulher teimosa e desobediente, que se deixou seduzir pela serpente mal-intencionada e comeu o fruto da única árvore proibida.
Transgrediu e realizou o seu desejo.
Não bastando a impertinência, Eva ainda utilizou todo o seu charme e poder de sedução para convencer Adão (que tinha o seu livre arbítrio para escolher ou não provar da maçã). E Adão? Adão provou e gostou.
A inferioridade justificada pelo fato de ser fruto da doação de uma costela foi um dogma que alimentou e abonou inúmeras atrocidades contra a mulher.
A anomalia biológica, que tinha a anuência de cientistas, também foi um pretexto para explicar a suposta inferioridade feminina e a ideia de sexo único. Em outras palavras, a mulher era vista como a sequela do homem defeituoso, cujos órgãos sexuais ficaram atrofiados internamente. Algo como a vagina sendo o pênis que não se desenvolveu, os ovários os testículos e por aí vai.
A representação da mulher e do desejo feminino que perduram desde a antiguidade
Com a “evolução” da humanidade, esses argumentos foram perdendo força, mas nunca desapareceram.
Em artigo publicado na Revista Eletrônica de Ciência – Veredas, intitulado “A concepção freudiana acerca do feminino”, as autoras Ana Francisco e Rosália Cavalcanti, destacaram que no Cristianismo mais primitivo, surgido após a ressurreição de Jesus e perpassando por três séculos, a feminilidade permanecia sendo associada ao sexo e ao mal, e para as autoridades da época, a mulher simbolizava um fator de perturbação e desequilíbrio entre os
homens.
Santo Agostinho, categórico, dizia que o deserto seria o único lugar onde os
homens poderiam ter paz, uma vez que lá as mulheres não poderiam alcançá-los.
Durante a Idade Média, as sucessoras de Eva também não foram poupadas. Ao contrário, a Santa Inquisição além do endosso à teoria da inclinação feminina para o mal, atribuiu à mulher o dom da feitiçaria e de um insaciável desejo pelo sexo, atribuindo ao demônio o único ser capaz de satisfazer aos desenfreados desejos sexuais femininos.
Por isso, à menor suspeita de possíveis pactos com o senhor das trevas, mulheres eram, sumariamente, sentenciadas com a pena de morte, isto é, queimadas na fogueira, ainda vivas.
Como os estudiosos tentaram entender o que querem as mulheres
Seja de forma escancarada ou de aparente sutileza, os valores criados em torno do papel social atribuídos às mulheres estiveram, quase sempre, ancorados em ideais claros e correspondentes com a expectativa do modelo de sociedade desejada.
Com o endosso científico à concepção do masculino como sexo único, dá para imaginar qual era o olhar da medicina, por exemplo, em relação ao feminino, ao prazer feminino, enfim, às questões físicas e psíquicas da mulher.
Desvendar e entender alma feminina foi um desafio que Freud colocou para si mesmo. Não foi à toa que durante três décadas se dedicou ao tema. Na verdade, as mulheres histéricas foram o marco dos estudos e formação da teoria psicanalítica.
Também é verdade que, já perto do final da vida, em conversa com Maria Bonaparte, sua paciente e discípula, Freud confessa que mesmo com todo empenho e dedicação, não chegou a uma resposta sobre o que querem as mulheres.
Na Conferência de Feminilidade, realizada em 1933 em Paris, em seu discurso Freud sublinhou que o objetivo da Psicanálise não é descrever o que é a mulher, pois este seria um propósito difícil de ser alcançado, mas indicar que o caminho possível é entender como a mulher se forma e se desenvolve desde criança.
A psicanálise pode desenraizar os preconceitos ligados ao feminino Freud
Reconheceu a importância de suas colegas psicanalistas, que o ajudaram a entender um pouco mais sobre esse complexo universo, a partir de suas próprias vivências e pesquisas.
Essas colegas, por vezes, denunciaram que os analistas homens, incluindo Freud, naturalmente, ainda eram bastante influenciados pelos enraizados preconceitos em relação ao feminino, e que por isso, as pesquisas nem sempre tinham a imparcialidade necessária que requer um trabalho científico.
Chistoso, Freud se justificava alegando que os deslizes preconceituosos não se aplicavam a elas, uma vez que eram exceções em razão de, em vários pontos, serem mais masculinas do que femininas.
As distorções sobre o papel social da mulher assim como o seu lugar ao longo de séculos, acumularam prejuízos incontestáveis a elas e, por conseguinte, à sociedade como um todo.
Freud deixou a dica: entender o que é a mulher é um objetivo difícil de ser alcançado. O caminho é: como a mulher se forma e se desenvolve desde criança.
O fato é que todos os caminhos levam a um ponto de partida que está associado ao desejo.
Sim, ao desejo que é conferido, única e exclusivamente, à espécie humana. Uma característica inerente à mulher e ao homem.
O que querem as mulheres? Desejam poder desejar.
Como ajudar as mulheres?
Homens e mulheres precisam se despir de seus preconceitos quando decidem trabalhar com a psicanálise e atender mulheres clinicamente.
Enxergar-se a si mesmo é essencial e como esses preconceitos nos permeiam, para que possamos ofertar um tratamento de qualidade.